Irmã Dulce

Por Maiana Belo, G1 BA


VÍDEO: Irmã e sobrinha de Irmã Dulce falam da relação da freira com a família

VÍDEO: Irmã e sobrinha de Irmã Dulce falam da relação da freira com a família

"A mesma amorosidade que ela tinha para com todas as pessoas que ela assistia, ela tinha com a família", conta Ana Maria, 79 anos, irmã da futura Santa Dulce dos Pobres, batizada como Maria Rita de Souza Brito Lopes Pontes.

Por dedicar maior parte do tempo aos pobres, doentes e necessitados de amor, Irmã Dulce não era assídua nos encontros familiares, mas de acordo com Ana Maria, a família compreendia suas ações de amor.

"A família respeitava muito bem. Então nós vínhamos a ela. Ela procurava a família através de cartas, telefonemas. Todo dia de noite ela me telefonava: "Aninha, como você está?". Bastava qualquer pessoa da família vir aqui [nas Obras] que ela pedia para preparar um suco, umas bolachinhas", destaca Ana Maria.

Irmã Dulce (à esquerda), com os pais e os irmãos Augusto (ao centro), Dulcinha (à direira), Aloysio Raimundo (entre as pernas do pai) e Geraldo Majella (no colo da mãe) — Foto: Divulgação/Obras Sociais Irmã Dulce

Ana Maria é a irmã mais nova da freira. Ela é filha do segundo casamento de Augusto Lopes Pontes, pai de Irmã Dulce, que se casou novamente após ficar viúvo. A mãe da freira, Dulce Maria de Souza Brito Lopes Pontes, morreu aos 26 anos. Ela sofreu uma hemorragia após a última gestação, da filha Regina. Na época, a pequena Maria Rita tinha apenas 7 anos.

Irmã Dulce foi a segunda filha do casal Augusto e Dulce Maria. Antes dela nasceu Augusto. Depois da freira, veio Dulce Maria, Aloysio Raimundo, Geraldo Majella e, por fim, Regina, que faleceu alguns meses após o nascimento, em 1921.

Irmã Dulce ao meio, junto com a irmã, Dulcinha e a sobrinha, Maria Rita — Foto: Divulgação/Acervo Memorial Irmã Dulce

Com Dulcinha, irmã um ano e cinco meses mais nova do que ela, a freira encontrou um ombro amigo nas ações ligadas à caridade e à assistência social. Dulcinha era casada e morava no Rio de Janeiro, mas sempre que podia estava em Salvador.

A distância entre as irmãs era driblada através das inúmeras correspondências que trocavam e, em uma delas, Irmã Dulce escreveu: "Só mesmo os meus pobres me fazem viver longe de você, mas um dia estaremos juntas para sempre".

Maria Rita, sobrinha de Irmã Dulce e que ganhou o mesmo nome de batismo da tia, é filha de Dulcinha. Ela quem segue com o trabalho da freira e atua como superintendente das Obras Sociais Irmã Dulce [OSID].

Como conta, a tia que se tornará santa vivia de um lado para o outro em prol da caridade, porém sempre tinha espaço para momentos carinhosos com a família.

"Pessoa extremamente amorosa com todos, se preocupava em colocar bilhetinhos na cama que a gente dormia, colocava uma florzinha. Pedia para cozinharem a comida que a gente gostava. Ela sempre tinha um gesto de carinho", revela.

Jornalista de formação, Maria Rita relembra a época da formatura, que em um momento precioso, contou com a presença da tia para ganhar um abraço.

"Meu pai faleceu em 1976, eu tinha 21 anos. Quando eu me formei, em 1979, ela foi na minha formatura, me dar essa força, esse abraço", revela.

'Semente que Deus abençoou'

Irmã Dulce aos 18 anos, idade em que ingressou ingressou na Congregação das Irmãs Missionárias da Imaculada Conceição da Mãe de Deus — Foto: Divulgação/Obras Sociais Irmã Dulce

Para Ana Maria, que também ajudou Irmã Dulce à frente da OSID, a freira sempre teve um comportamento humilde, desde a infância, mesmo sendo filha de uma família de classe média alta de Salvador. A freira abdicou de tudo e se dedicou às ações de bondade ao próximo.

"Pra mim, Irmã Dulce veio pronta. Foi uma semente que Deus abençoou antes de botar na Terra, achou um terreno muito fértil, uma família muito religiosa e ela se desabrochou como um girassol, sempre voltada para a luz, a luz do Senhor", diz.

Ana conta que Irmã Dulce sempre foi um exemplo para a família e que confiou à irmã o batismo de um dos seus filhos, Marco Vinícius. Afilhado da futura santa, Marcos faz aniversário na mesma data da freira, em 26 de maio.

Além de ser "amor" em suas atitudes, Irmã Dulce era espirituosa. Como relata Ana Maria, ela driblava as dificuldades com determinação. Franzina, com voz baixa e mesmo um pouco séria no semblante, ela soltava pitadas de humor em momentos particulares, na presença de amigos e pessoas próximas. Além disso, só era conversar um pouco com Irmã Dulce que já se notava a pessoa amorosa que era.

Torcedora fervorosa do Ypiranga, time de futebol que se destacava na Bahia na década de 20, a adolescente Maria Rita marcava presença nos jogos do seu amado clube na companhia do pai, Augusto Lopes Pontes.

Irmã Dulce com o pai, Augusto Lopes Pontes — Foto: Divulgação/Obras Sociais Irmã Dulce

Fã de música, gostava de ouvir Beethoven e Roberto Carlos, especialmente a música "Jovens Tardes de Domingo". Entre a infância e a adolescência, aprendeu a tocar acordeom e harmônio (instrumento musical de teclas, com formato semelhante ao de um piano).

Não há detalhes da idade exata em que ela aprendeu, nem o registro de quem a ensinou, mas o gosto pela música sempre foi exposto por Irmã Dulce. Conforme dados da equipe de museologia da OSID, ela tocava os instrumentos para evangelizar. Tocava ainda para as crianças e também nas visitas que fazia aos presos na antiga cadeia da Coreia, em Salvador.

Até a década de 60, tocou com frequência, mas, aos poucos, com o aumento do trabalho social, o crescimento do hospital e a fragilidade física, deixou de tocar.

Ana Maria destaca que o olhar amoroso e dedicação ao próximo foi a principal herança de Irmã Dulce deixada para seus familiares.

"O que ela deixou para a família foi a gente para praticar o bem sem olhar a quem. O amor incondicional. Eu vejo ela assim, sorrindo para Cristo, Cristo sorrindo para ela. Amor incondicional é o que define ela", conta.

Dulcinha, Ana Maria, Marco Vinícius (filho de Ana Maria e afilhado da freira), Irmã Dulce e Maria Rita no quarto do Anjo Bom da Bahia, em Salvador — Foto: Arquivo Pessoal

Destacou ainda que era comum a família visitar Irmã Dulce e não o contrário. Portanto, encontrar a freira baiana não era difícil já que ela tanto percorria as ruas da Cidade Baixa de Salvador e os corredores do Hospital Santo Antônio, considerado o "coração" das Obras Sociais Irmã Dulce (OSID).

"Nos dias das festividades ligadas à igreja, ela comparecia, mas, por exemplo, eu, meu pai e minha mãe, todo domingo, a gente vinha para cá [Cidade Baixa] para caminhar ao lado dela, estar com ela e trazer uma comidinha", diz.

Entre diversas histórias ao redor de Irmã Dulce, Ana Maria relembra de um caso envolvendo a freira e uma das primas.

"Isso é fruto do relato de uma prima nossa chamada Celeste. Ela veio do interior, era filha de meu tio que era juiz de direito. Ele mandava os filhos para aqui [Salvador] para estudarem e se formarem porque ele estava em Taperoá [cidade do baixo sul da Bahia] e lá não tinha um ensino adequado", disse.

"Na hora que ela [Celeste] abriu a malinha dela, um enxoval simples, todo em algodão, Irmã Dulce ficou olhando. Os enxovais de Irmã Dulce e o de Dulcinha [irmã da religiosa] eram de seda. Então, Irmã Dulce olhou e disse: 'Celeste, posso te pedir uma coisa? Você se incomodava de trocar o seu enxoval pelo meu?'. Então com isso aí você já nota que ela era uma pessoa diferenciada", completou.

Freira baiana que se tornará santa chegou a tocar acordeon, em Salvador — Foto: Divulgação/Obras Sociais Irmã Dulce

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